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![]() Era noite de sexta-feira 13 e, depois de descobrirem o que isso significava, as crianças resolveram ficar na casa dos avós para que, juntas, pudessem assistir a um filme de terror. A avó preparou a pipoca e espalhou os colchões pelo chão, depois foi até a sua poltrona, passou uma tigela para o marido, apagou a luz e os dois ficaram só aguardando a discussão. —Que tal a gente assistir esse O Fantasma da Ópera? — sugeriu Mimi, a prima mais nova. — Parece ser assustador. ![]() Beto, que chacoalhava a perna desde que o filme aparecera no catálogo, falou: —Ah… Esse não. Esse daí eu já vi. —Já? —Uhum — respondeu o menino, balançando a cabeça como se fosse um daqueles enfeites de cachorrinhos em que um peteleco os fazem acenar o dia inteiro. —E foi assustador? — quis saber Zê, o primo mais velho. Beto não respondeu. Estava ocupado demais, olhando para a escuridão que tornava o corredor em uma região um tanto quanto suscetível à presença de fantasmas traiçoeiros. —Beto! — insistiu o mais velho. —Oi?! — soltou Beto, de supetão. —O filme, Beto. Foi assustador ou não? —Não, não. Foi bem fraco na verdade — Exagerou. — É só um filme de um fantasma que passa a vida inteira cantando uma música chata. —Sei… — murmurou Zê. —Por que tá olhando tanto pro corredor? — perguntou Mimi. —Quem? Eu? — quis saber Beto. Mimi assentiu. —Ah… Não é nada não. Achei que tivesse visto uma… uma… Tsc! — Estalou os dedos. — Como é que se chama aquele bicho mesmo? —Barata? — sugeriu a avó. —Isso! Barata! — confirmou o neto do meio. — Mas não era nada não. A avó disfarçou o riso com uma tosse seca. —Ainda bem — comentou Mimi, checando o corredor por conta própria só para assegurar. —Sabe… Eu acho que filmes de fantasmas são muito sem graça — revelou Beto, procurando preencher rapidamente o silêncio. — Muito… —Sério? — perguntou o primo mais velho. Beto reafirmou. Zê abriu um bico exagerado e, enquanto deixava a cabeça balançar, soltou um “Co…”, fazendo Beto arquear as sobrancelhas e, perdidamente, procurar o restante da palavra pelo ar. Depois, como se nada tivesse acontecido, Zê fungou e fingiu checar as unhas, deixando o tempo passar. … —Co…? — perguntou Beto, enfim. —…Có…!? — Caçoou Zê. — Co-có! Mimi abafou o riso. —Ah não! Não… Nem vem! — protestou Beto. —Ei — disse Zê, levantando as mãos. — Não é minha culpa se foi só isso que eu escutei… —Eu não tô com medo! — Bufou Beto. — Só acho que a gente devia assistir um filme realmente assustador. Tipo aquele ali — apontou —, do Drácula. Aquele sim deve ser bom! —Claro, claro… — Despistou Zê, depois de engolir em seco e puxar a coberta na altura do pescoço. — Medroso… —Medroso nada! Eu só não vejo graça em filme de fantasma! —Se você tá dizendo… — provocou o mais velho. —Mas é verdade! — protestou Beto. — Não é, vô?! O avô relaxou os lábios contraídos, limpou a garganta e acenou. —Viu?! — disse Beto. — Eu disse… Agora, me passa o controle aí, Mimi. Vou colocar no filme do Drácula pra gente ver. Mimi debruçou-se sobre o colchão e esticou o braço, porém, antes que pudesse entregar o controle, Zê o interceptou e disse: —Olha, eu até gosto de vampiros. Sangue… — Contorceu-se. — Dentes afiados… — Coçou o pescoço. — E tudo mais… Só que, sabem qual é o problema? O problema é que todo filme de vampiro sempre termina do mesmo jeito. Mimi o encarou. —E de qual jeito eles terminam? — quis ela saber. —Com a estaca no coração — respondeu Zê. —Mas esse não! — exclamou Beto. — Esse termina diferente! —Ué, e como você sabe? — perguntou Mimi. —Ah… é que eu já vi o final — confessou Beto. —Ahhhh… — Expressou Zê, revirando os olhos; ainda que, no fundo, estivesse aliviado. — Aí não tem graça nenhuma! Primeiro porque agora eu já sei que não tem a estaca, então, já tomei spoiler. E segundo porque tem que ser um filme que ninguém viu, pra assustar de verdade! —Eu não acho que isso seja um spoiler — trucou Mimi. —É — concordou Beto. — Eu também acho que não. E eu só assisti o finalzinho; cinco minutos… no máximo. —Não importa — declarou Zê. — Agora vai ter que ser outro filme. —Tá… Que seja — aceitou o mais novo. — Fala um outro aí, então. Zê apertou a seta do controle e começou a passear por entre o catálogo de filmes. Sempre que algo de vampiro surgia, era rapidamente pulado, e ele fazia questão de parar no filme imediatamente ao lado, caso não fosse de vampiros, para fingir ler a sinopse e checar o elenco escalado. —O Lobisomem — sugeriu Zê, depois de algum tempo. — Esse parece bom. —Será que tem lobisomem uivando pra Lua? — perguntou Beto empolgado. —Se tem? Deve ser o que mais tem! — enfatizou Zê. Mimi arregalou os olhos e olhou em direção à porta de vidro para ver se a noite era de lua cheia… E era. A Lua estava tão cheia e tão próxima que seria perigoso demais até para pensar em arriscar. A menina então esticou a perna até o pé encontrar segurança no pé quente e áspero do avô, e depois falou: —Não sei não. Acho que não fui com a cara desse filme. —Como assim “não foi com a cara’…?!” — perguntou o mais velho. —Hm, não sei. Só não fui. A imagem da capa parece muito falsa, então o filme deve ser daqueles com maquiagens baratas e efeitos piores ainda — disse ela. —E daí?! — perguntaram os primos. —E daí que o filme todo fica parecendo de mentira, ué! E quem é que vai ter medo de um monstro que parece de mentira? —Mas todo filme de monstro é de mentira! — indignou-se Zê. —É… — apoiou Beto. — Eu acho que você tá é com medinho, isso sim… —Não — disse Mimi. Curta, seca e séria. — Eu só prefiro o filme do fantasma. Acho que é mais assustador. Beto sentiu um calafrio subir pela espinha. —Bom, por mim pode ser o do fantasma também — falou Zê —Mas por mim não! — protestou o caçula. — Um filme de um lençol que canta ópera… Humpf! Totalmente sem graça. E outra, quem aqui gosta de ópera?! Nem a vovó gosta! — A avó teve de concordar. — Tem que ser o filme de vampiro, esse sim é assustador! Zê encolheu o pescoço. —O de vampiro até pode ser — disse Mimi, depois de estalar a língua. —Não pode não! — reclamou Zê. — Vampiro é tudo chato. Vamos ver o do lobisomem! Mimi empurrou ainda mais o pé do avô. —Tá, de lobisomem então — concordou Beto, pegando o controle para iniciar o filme. —Não, não pode não — disse Mimi, tomando o controle de volta. — Se não for para ser o de fantasma, então, prefiro o de vampiro. —Não, o do vampiro não — disse Zê. — Vamos no de fantasma então… —Não. Sem fantasma! — reclamou Beto. —Deixa de ser medroso, Beto. — Manipularam os outros. —Não é medo. Eu já disse! — argumentou o primo. — Mas se não for pra ser o de vampiro então vamos de lobisomem. —Lobisomem não! —Crianças — Interrompeu a avó. — Calma, calma… Não precisam brigar. Seu avô e eu lembramos do filme perfeito. —Uhum! — concordou o avô, esfregando as mãos. As crianças se viraram lentamente e Mimi estendeu o controle ao avô. —É um filme que tem fantasmas e vampiros — anunciou o avô. Beto desviou o olhar e voltou a procurar pela barata, enquanto Zê passou a disfarçar a sensação de incômodo fingindo tentar estalar o pescoço. —Mas tem lobisomens também… — completou a avó. Mimi sentiu o corpo tremer. —Mas… Como era mesmo que tinha que fazer para procurar o filme pelo nome, Cleusa? — perguntou o avô. —Acho que era o botão do cantinho, não? —Esse aqui? —Deve ser. O avô apertou e o catálogo de filmes se resumiu, mostrando a tela de descanso na qual o relógio marcava 22h. —Nossa! — exclamou a avó. — Já são dez da noite?! —Normalmente a gente já está na cama a essa hora — comentou o avô. —Será que ainda dá tempo de ver o filme, Anésio? —Ah, se for muito longo, a gente pode deixar pra outro dia, vó — interrompeu Zê, com a voz tímida. —Aham — concordou Mimi, reforçando a timidez. — Se vocês querem ir dormir, a gente vai também. O som da TV atrapalha pra dormir… —É verdade — continuou Beto. — E assistir um filme de terror com som baixo não dá medo, né? Os primos concordaram. —Mas vocês têm certeza? — perguntou a avó. — Vocês estavam tão animados! —Temos — afirmou Mimi. —Olha, vocês que sabem… — disse o avô. — Já ficamos acordados até agora, o que são mais umas horinhas? —Não, não — falou Beto, balançando a cabeça e as mãos. — Como mamãe diz, “hora de dormir é hora de dormir.” —O que você acha, Zê? — perguntou a avó. —Concordo com eles — respondeu o menino. — Mas na próxima sexta-feira 13 é sem falta, tá?! —Eu venho se vocês vierem! — disse Mimi. —Já vou até deixar avisado lá em casa — falou Beto. —Então está marcado! — anunciaram os avós, guardando o riso para quando estivessem sozinhos no quarto. ![]() ![]() Apoie as HistorietasO compartilhamento dessa história foi possível graças ao apoio dos leitores. Como forma de os homenagear e agradecer, deixo aqui alguns de seus nomes imortalizados nas páginas dessa historieta ❤️ ![]() DiretamenteApoie por PIX ou com a compra dos meus livros e ilustrações. 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